14/03/2021

Conheça a trajetória da primeira delegada mulher em Engenheiro Coelho

Talita Navarro Fiorini foi aprovada em primeiro lugar no concurso que concorria outras 23.574 pessoas para 250 vagas. Em entrevista, ela conta sua história e planos para o município

Isabella Anunciação 

Foi na tarde do dia 5 deste mês que eu encontrei com a doutora Talita Navarro Fiorini na Delegacia de Engenheiro Coelho. O dia estava nublado, evidente, era início das águas de março fechando o verão. Apesar do clima ameno, a delegada trajava um vestuário bem leve. Sua blusa vermelha realçava seu cabelo loiro e sua calça sarja dava o equilíbrio que o look pedia.

Empoderada. Essa foi a primeira palavra que veio a minha mente quando ela me chamou para acompanhá-la até a sua sala.

O ambiente estava escuro, mas só percebemos depois que um funcionário bateu à porta para dar um aviso e após, gentilmente acendeu o interruptor. Neste instante, a conversa que estava apenas no início, ganhou fluidez.

Eu, Isabella Anunciação, por meio do Portal Coelhesense, conversei com a doutora Fiorini a fim de conhecer sua trajetória até chegar como delgada em Engenheiro Coelho. Além disso, vos apresento neste texto desejos da mesma ao município.

Isabella Anunciação: Quando queremos conhecer uma pessoa, existem aquelas perguntas clássicas. Então, qual a sua cidade natal?

Talita Fiorini: Eu nasci em Campinas (SP), mas fazem 15 anos que eu moro em Limeira (SP).

IA: Foi por causa dos estudos que você foi morar lá?

TF: Eu morava em Canconde, interior de São Paulo, divisa com Minas Gerais. Lá é bem pequeninho, lá não tinha faculdade, não tinha nada, daí eu vim para cá para estudar.

IA: Começando desde o início, como foi seu percurso na educação? Estudou em rede privada? Pública?

TF: Sempre em escola pública. Até o ensino médio, nunca estudei em escola particular. A minha faculdade foi particular, mas fui bolsista pelo Prouni quando cursei Direito.

IA: Quando criança, é comum sonharmos em ser um tipo de profissional, o que que você sonhava ser quando crescer?

TF: Eu sempre quis ser delegada de polícia. Sempre quis ser policial, tanto que eu me estagiava na Delegacia. Desde de os meus 18 anos eu era escrivã Ad hoc, depois eu passei no concurso de investigador, eu tinha reprovado o anterior de delegado, e eu já entrei na faculdade com a vontade de ser delegado de polícia. Eu conseguir ser aprovada agora no concurso de 2018 que terminou em 2019.

IA: Qual foi o seu maior incentivo para você exercer essa profissão? 

TF: Eu venho de uma família de policiais civis, tenho primos, mas não tive um incentivo assim. Até porque, a gente que é mulher, os pais não querem que a gente seja policial civil. Eles sempre apoiaram, claro, mas nunca incentivaram não, foi vontade mesmo. Mas sempre tive vontade de ser policial.

IA: E qual era o motivo? Era pela adrenalina?…

TF: Eu acho que é porque, especialmente, em razão de ser uma carreira hibrida. Ela pode ser operacional, mas ela pode ser intelectual também. O cargo de delegado da polícia ele é tanto intelectual, quanto operacional e é de gestão também, porque você é um gestor de uma delegacia de polícia. Essa hibridez sempre me cativou.

IA: Quando eu era criança, pensava que seria Engenheira Civil porque minhas melhores notas eram em matemática. Já no Ensino Médio, desenvolvi minha paixão por escrita e decide cursar Jornalismo. Você teve um momento assim de descoberta? Ou de reafirmar este sonho de infância?

TF: Eu sempre gostei muito de ler. Eu lembro que lá na minha cidade em Caconde eu li os livros da biblioteca inteiro. Tanto é que meu pai teve que ir para a cidade vizinha, São José do Rio Pardo (SP), para começar a emprestar livros da biblioteca de lá. E eu sempre li livros policiais, Agatha Christie já li todos, eu era fascina com essas coisas de investigação. Então sempre quis essa área e policial.

IA: Muitas vezes a mãe deseja que a filha seja médica, advogada…

TF: Minha mãe queria que eu fosse enfermeira.

IA:  E qual a profissão dos seus pais?

TF: Meu pai é motorista de táxi e minha mãe é costureira e ambos não concluíram os estudos. Naquela época era mais difícil. Eles eram pobres, trabalhavam na colheita. Mas eles fizeram de tudo para que a gente conseguisse estudar, eu e minha irmã. A educação foi prioridade na educação dos meus pais. Eles sempre incentivaram, sempre tinha livros e gibis em casa. A gente sempre teve muito incentivo, não financeiro, porque eles não tinham muita condição, mas incentivo moral.

IA:  É normal espelharmos nos pais em algumas ações. Quais características você herdou dos seus pais e pratica em sua profissão?  

TF: Eu prezo muito pela honestidade e isso vem muito do meu pai e da minha mãe com muita força. Nós somos de família evangélica e meus pais são muito honestos. Eu acho que nunca vi pessoas mais honestas. São várias as características que a gente herda dos pais. Não genéticas, mas características que adquiri pela convivência, a honestidade deles é uma coisa que admiro muito.

IA: Doutora, você já é casada? Já é mãe?

TF: Eu sou casada, mas não sou mãe ainda. Tenho 30 anos, dá para trabalhar um pouco mais.

IA: Mas você planeja ser mãe? Como você pensa em ser mãe e policial?

TF: Eu vejo que é possível sim, ser mãe e policial, mas é um cuidado redobrado. Porque a gente fica um foco, a gente combate a criminalidade. É uma responsabilidade muito séria. Eu acredito que acaba resvalando nos familiares. Vejo que tem uma responsabilidade maior, mas eu quero ser mãe sim, só preciso esperar o momento certo.

IA: Você teve algum medo para entrar nesta profissão?

TF: Não tive medo de entrar na profissão. Eu acredito que é por isso que eu sou feliz. Porque acho que é difícil se você escolhe uma profissão dessa e ter medo o tempo todo e receios, eu acho que não traz felicidade. Eu não tive medo.

IA: A doutora foi aprovada em primeiro lugar no concurso que se iniciou em 2018 e concorreu com outras 23.574 pessoas para 250 vagas. No seu discurso de posse, você disse que escolheu vir para Engenheiro, como foi esse processo? E por que Engenheiro Coelho?

TF: A gente não é designado por um local que a administração escolher. A gente escolhe quando a gente termina o curso e formação na academia de polícia dentro da lista de vagas que é disponibilizada. Eu escolhi Engenheiro Coelho.

Engenheiro Coelho é uma cidade pequena e eu acho que dá para fazer um bom trabalho aqui. O fato também de ser uma delegacia do município conta muito para experiência como legado, já que eu tenho atribuição para investigar todos os crimes. Violência no ambiente familiar, crimes patrimoniais, crimes contra a vida, crimes de entorpecentes, todos os crimes tributários. Todos os crimes que acontecer são de minha atribuição.

IA: Hoje completam 11 dias da sua posse. Como você se sente nessas primeiras semanas?

TF: Nestes dias que eu estou aqui já passou de tudo. Fora o tralho, a recepção foi muito legal. Fui muito bem recepcionada pela população, pelas autoridades municipais, pelo prefeito, pela primeira dama, pelo secretário da segurança e pelos policiais, não posso reclamar de nada. Todos me recepcionaram muito bem. Eu creio que eles queriam um delgado titular aqui porque facilita muito o serviço aqui e eu faço questão de participar de tudo, saber de tudo o que está acontecendo e eu estou muito feliz.

IA: Em estudo que analisou dados de 75 países, o Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) aponta que 90% da população mundial carrega algum tipo de preconceito contra mulheres, seja político, econômico, educacional, ou ligado à violência ou direitos reprodutivos. Você já foi vítima de algum por conta da sua profissão? Se sim, como foi?

TF: Eu acho que ainda tem um pouco de preconceito, mas eu nunca sofri. Eu sou delegada agora, mas antes eu era investigadora, desde 2016. Já era policial, mas nunca sofri. Atualmente, eu acho que a mulher já está conseguindo galgar cargos em diferentes esferas, mas a polícia, apesar de um pouco mais retraída, as mulheres são mínimas, eu acho que as pessoas já estão acostumando. Porque na minha família mesmo, os familiares têm orgulho. Comigo ainda não aconteceu, se há, está um pouco mais velado.

IA: E assédio?

Também não. É claro que isso ocorre. Existe vários relatos. É uma situação muito triste, constrangedora. Inclusive, eu quero ter iniciativa de combater violência doméstica familiar, que inclusive está relacionado ao assédio.

IA: No dia que a senhora foi empossada, a senhora contou para mim que tem desejo de fazer um trabalho direcionado para o combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. Como esse plano vai suceder no município?

TF: Aqui ela é uma delegacia do município, então tenho atribuição para investigação de todos os crimes, inclusive violência doméstica contra a mulher. Ocorre que não tinha uma delegada de polícia aqui, na verdade, não tinha nem um delegado titular. Agora eu sou delegada titular do município e também sou uma mulher. Então juntou as duas coisas. Porque a violência contra a mulher vai ser investigada por aqui e todas as providencias serão daqui também. Quem vai tomar essas providencias vai ser eu. Então eu acredito que será mais fácil para as mulheres, eu acho que elas podem agora, com uma delegada mulher, podem se sentir mais incentivadas a denunciar as violências.

IA: Você falou que nunca sofreu um preconceito ofensivo na profissão, mas você está em uma posição de liderança. Como você lida com isso?

TF: Eu acredito que o nosso respeito a gente conquista mostrando serviço, mostrando que a gente está aqui trabalhando. A gente não consegue respeito gritando, brigando, exigindo de forma verbal, mas sim com atitudes. Com atitudes de compreensão, exigindo, mas estando junto também. Dessa forma, eu acredito que não tem erro.

IA: 8 de março está chegando e, em suma, essa data representa a luta de igualdade econômica e política. Como você se sente ao ser a primeira delegada titular mulher de Engenheiro Coelho?

Todos os cargos ocupados pelas mulheres é digno de reconhecimento. Não só pela capacidade de ocupar o cargo, mas pela capacidade de vencer todos o machismo. Eu digo que a mulher tem que provar duas vezes sua capacidade, está mudando isso, mas ainda é assim. Mas aí considerando que meu cargo é de chefia de uma delegacia de polícia eu vejo com uma forma de mostrar para as mulheres que a gente pode chegar aonde nós quisermos. Não tem limitação para gente. Desde que a gente lute por isso, não tem limitações.

IA: Quem é sua maior inspiração feminina?

Minha mãe é minha maior inspiração como mulher. Uma mãe nunca desisti dos filhos. Por exemplo, nunca foi da vontade da minha mãe que eu fosse policial. Ela acha perigoso, fica preocupada, todo dia manda mensagem. Eu acho que ela nunca vai aceitar, e mesmo ela não aceitando, a forma como ela demonstra orgulho e fala de mim como policial. Se uma mãe consegue passar por cima dos medos, dos receios, isso para mim é muito forte. É inexplicável.

IA: A quem você deve quem você é hoje?

A Deus. Porque só Deus mesmo para dar forças para gente. Chegar até aqui foi muito difícil para mim. Eu não só estudei, eu trabalhava. Desde dos 18 anos, ou estava trabalhando ou fazendo estágios. Passei em outros concursos, fui agente de organização escolar, fui soldado da polícia militar temporário, eu fui prestando vários concursos e o tempo todo trabalhando.

Então trabalhar e estudar é difícil. Eu fui a primeira colocada no concurso deste de 2018. Eu estudei muito, muito e para ter força para acreditar que vai dar certo, é só Deus mesmo. Lazer era zero. Já que eu trabalhava, não conseguia ter lazer. Eu gosto muito de academia, fiquei anos sem. Eu não recomendo, mas a alimentação ficou ruim também. Eu não ia em festas, compromissos sociais foram zero.

A gente fica pensando: nossa, todo esse esforço, tudo o que eu estou abrindo mão, o tanto que estou ficando doente de tanto estudar, será que vai ter mesmo um retorno no futuro? Será que vou conseguir passar? As pessoas podem auxiliar, mas é só Deus para continuar e acreditar que vai dar certo sim.

IA: Qual a sua motivação diária?

TF: Eu penso todo dia que meu dia tem que ser diferente. Eu não gosto de passar em branco, que eu não tenha feito nada de importante. Tanto para autoconhecimento quanto agora na função de delegado para a população mesmo. Eu gosto de deitar a noite e sentir que fiz algo importante, nem que seja algo pequeno, porque nem todo dia dá para gente mudar alguma coisa.

IA: Qual legado você quer deixar no município?

TF: Eu quero que a população, assim como eu me senti acolhida desde o primeiro dia que cheguei aqui, eu quero que eles se sintam acolhidos também e vejam a delegacia como uma possível solução dos problemas, porque nós estamos à disposição.

IA: Qual a sua mensagem para as mulheres do município neste dia?

TF: Eu desejo que elas se sintam acolhidas com uma delegada mulher na cidade, sensível aos problemas delas e da sociedade como um todo, mas principalmente das mulheres. Que elas se sintam motivadas a nos procurar quando precisarem, porque elas terão todo o apoio possível. Que elas também consigam lutar para conquistar todos os seus sonhos. Nós mulheres temos uma força inerente a mulher e precisamos acreditar nela. É possível a gente ocupar qualquer cargo ou também, se não for o caso, ser uma excelente mãe, uma excelente dona de casa, é possível a gente fazer o melhor na condição que a gente está. E, desta forma, a gente pode fazer a diferença como mulher.

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