11/02/2019

Jovem de Engenheiro Coelho decide não abortar mesmo com permissão judicial

Adolescente optou pela Entrega Voluntária e Responsável

Mariana Avanzzi

Em seis anos, o Ministério da Saúde armazenou o total de 591.731 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Nos últimos anos, o tabu em volta da discussão sobre abuso sexual tem se dissolvido, mas ainda é preciso dar atenção aos casos que são recorrentes em nosso país. O inimigo pode estar bem próximo. Foi assim que aconteceu com M. P., moradora de Engenheiro Coelho, que aos 16 anos foi morar na casa dos tios em Minas Gerais e foi lá que começou a viver o pior pesadelo que trouxe consequências irreparáveis para sua vida.

Anteriormente a adolescente morava com a avó em São Paulo, mas por dificuldades financeiras da família ela teve que ir morar com sua tia em Minas Gerais. Apesar do apego a avó,  ela estava ansiosa para começar uma nova vida com a a ajuda de sua tia. O esposo da tia, nunca se opôs em ela morar lá, tratava ela bem e se demonstrava ser uma boa pessoa. “Eu não esperava isso dele, eu tinha muito respeito com ele e ajudava minha tia nos afazeres de casa para compensar eu estar lá. Mas eles nunca deram a entender que eu estava atrapalhando ou algo assim”, conta.

A jovem diz que tudo começou quando sua tia começou a trabalhar em horário diferente do marido. “Quando ele estava no trabalho, eu estava na escola e minha tia em casa. Quando eu voltava da escola minha tia ia trabalhar e ele chegava uma hora depois”. Ela relata que o abuso começou com caricias que ela achava estranho mas não sabia identificar se aquilo era intencional ou não da parte do tio. Logo depois de alguns dias ela teve a desconfiança confirmada quando ele entrou no quarto e deitou na cama dela. “Tem coisas que eu não consigo nem lembrar para falar, mas a primeira vez, foi ali. Ele me disse que minha avó não tinha dinheiro para cuidar de mim e que se eu falasse algo para minha tia eu iria morar no orfanato.”

Sem saber que atitude tomar, M. P. aguentou por 3 meses e acabou contando para uma amiga na escola que convenceu a adolescente contar para alguém que pudesse ajudar. Muito confusa, a menina foi até a delegacia acompanhada dos pais da amiga. Naquele momento, M. P. sentiu um alívio mas não sabia o que ainda estava por vir.  A menina foi para um lar provisório e depois de três semanas descobriu que estava grávida do abusador, que por sua vez foi preso, acusado de estupro de vulnerável, dois meses depois.

Muito confusa, a adolescente não queria ter a criança no primeiro momento e ela conta que a confusão psicológica era aterrorizante. “Eu não sabia o que fazer, parecia que estava vivendo um pesadelo mas que eu iria acordar a qualquer momento,  eu pedi para que pudessem tirar de mim e até ganhei o consentimento da justiça para fazer o aborto. Em nenhum momento fui forçada a nada, a decisão era minha e eu agradeço aquelas pessoas do Lar que me ajudaram e me apoiaram muito”.

Apesar de ser amparada pela justiça e ter direito ao aborto, M.P. decidiu aderir a outra opção. “Eu não sabia dessa segunda opção, e  hoje não me considero  uma pessoa contra o aborto, mas naquele momento eu sentia que era uma vida e algo me dizia para eu não fazer isso. Mas ao mesmo tempo eu não queria aquela responsabilidade, eu não sabia para onde eu iria e nem sabia de nada da vida para poder criar uma criança vindo daquela situação”, expõe. A decisão, com certeza, marcou a vida jovem que optou por dar a luz a criança e encaminha-la para a adoção legal.

Segundo o Conselheiro Tutelar de Engenheiro Coelho, Reinaldo Balbino, a opção dada para adolescente chama-se ‘Entrega Voluntária e Responsável’ , e esse direito é garantido através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A possibilidade da entrega responsável é mantida em pelo menos dois artigos do ECA.”E pela legislação o atendimento inicial destas gestantes deveria ocorrer pelo poder judiciário, entretanto devido ao número reduzido de juízes e a inexistência do órgãos do judiciário em todos os municípios, este atendimento começa geralmente no Conselho tutelar, na assistência social ou na rede pública de saúde, onde a gestante inicia o pré natal”, explica.

A jovem diz ter tido apoio na decisão, e afirma não se arrepender. “Eu não me arrependo, eu sei que ela tinha pais antes de chegar ao mundo. Eu não os conheci e foi tudo feito de forma legal. Eu ganhei uma segunda chance, na época todos me apoiaram e estavam, de certa forma, me dando uma segunda chance, e foi o que eu fiz por essa criança, eu dei uma chance para a vida dela também. Lembrar de tudo isso é horrível, mas penso em quantas meninas não tiveram o mesmo amparo que eu tive, não tiveram o direito de decidir. Eu tive esse direito, a escolha foi minha e me apoiaram quando eu decidi”, se emociona.

Atualmente, quase três anos depois do divisor de águas na vida de M.P, ela conta que poucos sabem de sua história. Ela ganhou uma nova casa, uma nova família e recebe todo apoio necessário. Hoje, seu maior sonho é se formar em pedagogia e trabalhar educando crianças para que o mundo se torne um lugar melhor através das futuras gerações.

Denuncie

Em Engenheiro Coelho existe o Departamento de Assistência social, vinculado à Secretaria municipal de Ação Social, que conta com equipe multiprofissional composta por assistentes sociais e psicóloga, cujo atendimento é estritamente reservado e sigiloso. Segundo Reinaldo Balbino, as vítimas podem buscar ajuda especializada e o serviço existe e é gratuito através da rede pública de sáude. “As vítimas precisam conhecer melhor este serviço e se sentirem mais seguras a buscar esta ajuda. O atendimento é especializado e os profissionais não atuam fazendo juízo de valores. Respeitam profundamente a opinião da vítima, bem como sabem o momento de fragilidade que a vítima está vivenciando”, afirma o conselheiro.

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