10/09/2017

SUICÍDIO: Psicóloga de Engenheiro Coelho desmistifica tabu

De acordo com a profissional de saúde, falar sobre o assunto é um dos primeiros passos para a conscientização sobre o assunto

Nathália Lima

O cérebro humano esconde um grande “mar de possibilidades”. Em uma mesma situação, muitas pessoas chegam à conclusões diversas e respondem de maneiras completamente diferentes. Existem muitas pesquisas que visam compreender esses mistérios da mente. Especialistas de todo o mundo se dedicam, durante toda a vida, a compreender as possibilidades do psíquico humano, e ainda assim, não chegam a todas as conclusões.

Um assunto bastante estudado e muito pouco divulgado pela mídia brasileira, que acontece por meio de problemas da saúde mental, é o suicídio. Estima-se que, a cada 40 segundos, ocorra um caso diferente no mundo. Já no Brasil, o mesmo acontece a cada 45 minutos.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 804 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no planeta, sendo que, em 2012, 11.821 dessas mortes foram registradas apenas em solo brasileiro. Apesar dos números assustadores – e que não param de crescer –, o assunto ainda é um tabu para muitas pessoas.

Como consequência, o tema não é corretamente abordado nas casas e nas escolas. Uma série de mitos se estruturam ao redor do suicídio, impedindo que mais mortes sejam evitadas. A depressão, principal causa de mortes dessa natureza, continua a ser mal-encarada por grande parte da população, que ignora o tratamento ou não o trata com a devida seriedade.

Nesta reportagem, a psicóloga clínica Jessica Silva explica a respeito do tema tão pouco comentado e tenta, de maneira direta, apresentar maneiras de desmistificar este tabu enraizado na cultura brasileira. Especialista em saúde pública e Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Jessica passou parte do tempo de faculdade, atuando no Centro de Informação Antiveneno da Bahia (Ciave) e trabalhou também no Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (Neps), tendo contato direto com problemas psicológicos relacionados ao suicídio.

O suicídio é um grande tabu no Brasil. A mídia não fala a respeito e as pessoas não sabem identificar possíveis características de quem talvez possa praticá-lo. Para transformar essa realidade, o que é preciso mudar na sociedade? Existem diversas frentes nas quais podemos trabalhar em prol da prevenção do comportamento suicida. A primeira delas eu diria que, pra atender e atingir a nossa sociedade, é falar mais sobre o assunto. Falar de forma séria, consciente, responsável, ouvindo os técnicos do assunto. É importante também falar sobre isso nas comunidades religiosas, na escola, e fazer com que os perigos e a prevenção sejam disseminados na sociedade por intermédio da interlocução. Uma segunda forma é criar centros de apoio com profissionais capacitados para atender esses casos. Existem serviços de saúde e de assistência social especializados nisso. Por isso, existe a necessidade da capacitação dos nossos profissionais da rede pública, e da nossa educação também, para que esses especialistas também possam não só prevenir falando sobre o assunto, mas também identificando possíveis pessoas em risco.

Quais são os principais indícios que uma pessoa suicida apresenta antes de cometer o autoextermínio? De acordo com um psiquiatra chamado Neury Botega, nós devemos entender o comportamento suicida como algo contínuo. Isso significa que uma pessoa não necessariamente vai direto para uma tentativa de suicídio ou o suicídio consumado. Existem níveis ou passos, e neles nós podemos identificar possíveis características para prevenir que a pessoa chegue de fato à tentativa ou ao suicídio. Então ele vai do pensamento suicida para a ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio efetivado. existem algumas coisas que a gente precisa levar em consideração: as pessoas que mais têm risco de suicídio geralmente apresentam transtorno mental, em especial transtornos afetivos, como o transtorno bipolar do humor e a depressão, mas não podemos generalizar. Existe essa estatística.

Outro indício importante é se a pessoa está falando muito do assunto morte, não de morrer, mas de tentar o suicídio. Então, toda tentativa de suicídio enunciada deve ser levada a sério. A gente não deve escutar isso e achar necessariamente que a pessoa está brincando e deixar pra lá. Sempre que alguém diz que está pensando em se matar, a gente tem que perguntar por que, pois o comportamento suicida deve ser entendido como uma forma de comunicação de alguém que está sofrendo muito, a ponto de entender que só poderá resolver seus problemas mediante o suicídio. Este comportamento deve ser lido como um pedido de ajuda.

Outras duas características importantes que colocam pessoas em risco são possuir um histórico de tentativas anteriores de suicídio, e/ou estar em tratamento para algum transtorno mental.


“O comportamento suicida deve ser entendido como uma forma de comunicação de alguém que está sofrendo muito”.


Por qual razão você decidiu se aprofundar nesse assunto? Quais são os resultados que você tem alcançado em suas pesquisas? Quando eu estava na faculdade, fui trabalhar no Centro de Informação Anti-veneno (Ciave), na Bahia, e nessa experiência, tive contato com um tipo de intoxicação proposital, que é quando a pessoa faz como tentativa de suicídio. Lá, eu encontrei a psicóloga Soraya Carvalho, que estuda o suicídio há muito tempo na Bahia e no Brasil, e com ela, fiz um estágio durante o período em que estava estudando. Depois de me formar, continuei trabalhando por mais um tempo no centro.

Como psicólogo, nós sempre temos um interesse no suicídio, e é comum ouvirmos isso dos alunos, mas acabou que foi muito mais pela prática e pela oportunidade de prestar um atendimento tão específico sendo orientada por uma profissional tão capacitada que gerou essa vontade de me aprofundar no assunto. Foi uma experiência muito interessante.

Um estudo da OMS aponta que o suicídio é a terceira maior causa de morte entre jovens no Brasil. No entanto, praticamente nenhum desses casos aparece na mídia. Até que ponto é bom que os meios de comunicação não falem a respeito desse assunto? Fomentar o suicídio de maneira equivocada pode dar margem para que outras pessoas o pratiquem? Sobre a mídia, especificamente falando, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério de Saúde brasileiro lançaram algumas diretrizes de como disseminar esse conhecimento sobre o comportamento suicida. É importante falar que esses materiais são produzidos como frutos de pesquisa, inclusive de colaboração mundial. Com relação à divulgação de casos de suicídio, a principal das orientações é de que deve-se sim falar sobre o assunto na mídia, porém evitando ao máximo dar detalhes que possam fomentar a replicação do ato suicida.

O que precisa ser feito para que o assunto deixe de ser um tabu e possa ser discutido e prevenido de maneira mais clara em nossa sociedade? A mídia precisa discorrer sobre esse assunto, não só no Setembro Amarelo, mas de uma forma contínua e constante. A gente precisa trabalhar nossos mitos e preconceitos com a saúde mental, e trabalhar com esses assuntos nos diferentes espaços, como escola, igreja, bairro, família, mídia, e assim por diante. Nós precisamos fazer com que a nossa sociedade seja capaz de, sabendo mais do assunto, diminuir o nível de preconceito e poder ajudar melhor pessoas que passam por situações como essa.

Nesse sentido, qual é a importância da campanhas de “Setembro Amarelo”? Acho que a principal importância do Setembro Amarelo é que nós temos de forma sistematizada e oficial um mês em que esse tema deveria estar sob a ótica da sociedade, sendo prioridade, sendo visto de forma geral. No entanto, a minha opinião é que, de nada adianta se falarmos um monte sobre isso em setembro e, em todos os outros meses do ano, esquecermos esse assunto. A importância do Setembro Amarelo é que a gente não mais esconde esse assunto. Existe um calendário de saúde, de programação em que você vai, de forma sistemática e metódica, falar sobre esse assunto. E isso produz a possibilidade de que nós possamos ter mais consciência sobre esse assunto.


“O Setembro Amarelo é importante porque produz a possibilidade de que nós possamos ter mais consciência sobre esse assunto”. 


Essas iniciativas fazem parte de uma mudança quanto à visão do brasileiro em relação ao suicídio? Essa iniciativa faz parte de um plano de prevenção ao comportamento suicida brasileiro. Existe essa portaria e o esperado é que isso gere uma mudança de postura do brasileiro frente ao suicídio. Então, começa via órgão público, mas a ideia é sim que possa mudar a visão do brasileiro frente a esse assunto.

Existe um termo que dão aos familiares que ficam após o suicídio de alguém: sobreviventes. como estes devem lidar com a perda? Existe um estudo que fala que, para cada suicídio, pelo menos seis pessoas são diretamente afetadas, e essas pessoas passam a ter que lidar com a perda de um ente querido. Às vezes, lidar com o fato de que não percebeu o que estava acontecendo, passou desapercebido do sofrimento da mãe, do irmão, do amigo, e a pessoa vai ter que sobreviver ao luto, à perda de um ente pelo suicídio, que costuma ser visto de forma negativa pela nossa sociedade. Eles são sobreviventes porque eles precisam ressignificar uma relação, ressignificar uma vida, dar sentido a um sofrimento. E lidar com essa perda é algo que não tem uma receita “faça isso e vai acontecer aqui”. É muito contextualizado na vida do sujeito, ele vai precisar de rede de apoio (pessoal, comunidade religiosa, bairro, família), e às vezes também precisar de um auxílio mais técnico.

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